ENTREVISTA – Homero Lacerda

A eleição no Sport Club do Recife acontece somente em dezembro, contudo, os debates sobre a sucessão rubro-negra já estão bastante acirrados. Muito se fala em racha político e bate-chapa, assim, procuramos uma das principais liderenças do clube leonino e que está diretamente envolvido neste acalorado processo eleitoral: Homero Lacerda, um dos mais vitoriosos e admirados dirigentes da história do Sport.

Nesta entrevista, que será publicada em três partes, o presidente campeão brasileiro de 1987 não só esclarece seu posicionamento sobre o momento político do Leão, como fala sobre vários assuntos importantes e polêmicos, tais como sua saída do clube no final de 2007, Libertadores 2009, centro de treinamento, arena e muito mais. Confira! 

meuSport.com – Homero, se o senhor mesmo reconhece o quão boa foi a gestão de Milton Bivar, por que não apoiar a continuidade dele?

Homero Lacerda – Esta pergunta é excelente, por que assim podemos deixar tudo bem claro. Milton fez uma boa gestão, ganhou um campeonato inesquecível. Consolidou uma posição que o Sport vem conquistando há vinte anos dentro do cenário brasileiro, o título de 1987, as brigas jurídicas e tudo mais. Supremo em Pernambuco, detentor da maior torcida, inclusive superando a somatória de Náutico e Santa Cruz. Venceu a Copa do Brasil de forma incontestável e maravilhosa, precisando reverter um placar difícil, diante de um Corinthians que tinha todo o apoio do mundo, coroando assim este trabalho com uma repercussão fantástica para o Sport. Mas minha preocupação e de muitas liderenças é com o futuro do Sport. Está bem? Está! Então pergunto, pode melhorar? Pode! Não sou do tipo que espera algo de ruim acontecer para mudar. Se estou ganhando tudo mas tenho um lateral que não vem jogando nada, não vou esperar perder para mexer no time. Em time que está ganhando se mexe sim! Então o que nós queremos é que Milton apresente uma proposta à altura da grandeza e importância deste momento. Pois os próximos dois anos serão decisivos para o Sport. O bonde da história está parado em frente à Ilha do Retiro e isso foi construído nos últimos vinte anos, em especial nos últimos três, dos quais participei ativamente de dois decisivos! Não podemos deixa-lo o bonde partir sem que o clube embarque nele, está é nossa grande oportunidade.

Quando eu cheguei lá em 2005 o Sport estáva jogando às traças, quase fechando, e ainda tem gente que diz que sou oportunista e outras coisas que não tem nada a ver comigo. Isso eu não mereço! O Sport tinha parado de jogar em outubro, quase caiu para a terceira divisão! E eles vieram me buscar aqui em meu gabinete, Milton e os outros companheiros, pra eu ir para lá ajudá-los, pois a torcida queria colocá-los pra fora. E eu saí de presidente campeão para diretor de futebol! Emprestei meu prestígio, meu nome, minha força, a confiança que a torcida deposita em mim para iniciar um trabalho do zero, pra resgatar a auto-estima do rubro-negro, para que pudéssemos ter condições de trabalhar. E juntos, todos nós, Eu, Milton e outros companheiros fizemos um grande trabalho em 2006 e 2007. O Campeonato Pernambucano de 2006 foi um dos mais difíceis da história do Sport, desbancamos o Santa Cruz sem time, sem dinheiro. Não tínhamos condições nenhuma! Os “craques” do time eram Marco Antonio e Bibi… Ou seja, só tínhamos a camisa. Nosso orçamento não permitia nada, então tive que “inventar” um Dorival Júnior, pois não podíamos pagar mais do que R$ 25 mil. Hoje não, hoje o Sport escolhe quem quer e paga, mas naquele tempo não havia dinheiro. Ninguém sabia quem era Dorival Júnior no Brasil, fizemos um trabalho brilhante e conquistamos um título na raça, o que nos deu a tranquilidade necessária para fazermos uma boa Série B e finalmente retornarmos à Série A. No ano seguinte conquistamos um título de uma maneira perfeita, sem perder nenhum ponto. Pois até sermos campeões a campanha foi 100%, só perdemos pontos depois do título garantido. Isso já era com Gallo, que era um técnico inexperiente e barato, pois era o que podíamos contratar. No fim de 2007, depois de dois anos lá dentro, quando já estava tudo bem e com o Sport na primeira divisão, eu achei que já tinha cumprido minha missão e somente este ano é que fiquei apenas acompanhando.

Então este trabalho que está lá foi feito por várias mãos, com uma participação, sem falsa modéstia, muito forte minha. Quem implantou a gestão no futebol do Sport, que até hoje permanece, e isto é mérito de Milton, fui eu. Quando cheguei não havia nada de gestão, não havia alimentação, a cozinha estava desativada, enfim… Respondendo diretamente sua pergunta: está bom? Está. Mas pode melhorar, tem que melhorar. É preciso melhorar e muito. A Libertadores é uma competição internacional, de repercussão mundial e se não estivermos preparados poderá avacalhar com o Sport. Há uma série de oportunidades em volta do Sport e precisamos nos cercar de pessoas competentes para gerir isso. A Arena por exemplo, é uma oportunidade única. Resumindo, temos a chance de nos tornarmos um dos grandes do Brasil. A verdade é essa, não somos, mas temos potencial para sermos. Estamos à léguas de um Internacional, de um São Paulo, de um Cruzeiro… E agora temos esta oportuniade na mão e o Sport tem liderenças competentes para isso.

Todos os ex-presidentes, não tenho crítica nenhuma para fazer a eles ou às liderenças de verdade, com L maiúsculo. Todos eles são abnegados, estão ali para cumprir uma missão e não atrás de cargos. Por isso as pessoas não devem criticar Milton ou a mim. Quero alertar aos rubro-negros que quando aparece gente fazendo isto, é por que tem interesses pessoais envolvidos, estes sim, estão atrás de cargos. Então fiquem atentos a isso. Aparecem nas rádios e nos sites, com nomes falsos, perfis fictícios, ficam a serviço dessa politicagem que só prejudica o clube. E a gente deve expurgar do meio rubro-negro que assim age.

meuSport.com – Então podemos entender que Homero não é um nome de oposição, mas sim uma possível alternativa?

Homero Lacerda – Olhe, se Milton tiver uma proposta boa… Eu digo isso a Milton todo dia. Converso com ele sempre, não temos problema nenhum. Se houver uma proposta boa, com um grupo bom, competente, para fazermos um Sport mais transparente, seja nas negociações, nas transferências, nos projetos… Por exemplo, o centro de treinamento. Um CT não é apenas campos de futebol e gente treinando. Veja só, a filtragem dos jogadores que vão ser preparados no CT. Como isto será feito? Hoje em dia isso é uma ciência! Não dá mais para ficar só no olheiro, no achismo de quem leva jeito ou não. Se escolhermos mal a matéria prima, no bom sentido, será dinheiro mal investido. Se investir errado,não vai tirar craque nenhum dali. É preciso ter professores e não apenas treinadores. Não basta pegar um ex-jogador e colocar lá pra ser técnico. Tem que ser professor de futebol. Pra ensinar fundamento, suprir as carências, fazer um trabalho de conscientização desde pequeno, para sejam atletas e não boleiros. É preciso ter uma proposta de gestão para o CT e isso é um negócio extremamente complexo. Tem que botar gente muito competente à frente disso. Olhar o que tem de bom por aí, o Atlético do Paraná, o Goiás, o São Paulo… Você pode estragar um garoto com um potencial brilhante se não ensinar a ele os fundamentos do futebol. Hoje a gente vê por aí supostos craques que se a bola cai na perna ruim ele perde o gol, pois o cara não sabe bater com as duas. Que é isso? Craque que é craque tem que saber chutar com os dois pés e isso é fundamento! Não tem essa de ‘ah, ele é destro e caiu na esquerda…’ Se tiver um trabalho de base bem feito, com professores de futebol, o resultado é outro!

Então tudo isso se resume em: o Sport tem uma grande oportunidade e liderenças competentes para fazer uma senhora gestão e aí passar a ser um dos grandes do país e não mais apenas o maior do Nordeste. Temos a maior torcida do Nordeste, representamos uma região. O São Paulo por exemplo, é um dos quatro grandes do estado, nós somos o maior do Nordeste inteiro, mas a representatividade é a mesma? Precisamos tirar proveito da nossa condição. Repito, temos tudo para darmos um salto definitivo e nos tornarmos um dos maiores do Brasil. Mas para isso, é preciso ter as pessoas certas. Não almejo cargos, muito pelo contrário. Acho que já dei minha contribuição por muitos e muitos anos. Deixei negócios e família para me dedicar ao Sport e ficaria extremamente confortável vendo o Sport bem. Agora, não vou e não posso me omitir. Estou querendo, estou forçando a barra, estou espremendo os companheiros, o Milton principalmente, aperriando mesmo, para ele reciclar, ver que é preciso apresentar uma boa proposta. Essa estrutura que está hoje no futebol do Sport, o torcedor está satisfeito? Esse time? O comportamento do elenco? A motivação que precisa… Jogador tem que se superar a cada partida. O extra-campo que existe também, enfim, nós não temos notícias boas da forma como o futebol é conduzido hoje no Sport. Não faço crítica a ninguém especialmente, todos eles que estão lá prestaram grandes serviços ao clube e podem continuar prestando. Mas pode melhorar? Pode e tem que melhorar! É esta a minha preocupação.

meuSport.com – O senhor questiona Milton com relação à proposta. Então se ele apresentar algo que tranquilize as lideranças, esta pressão acalma?

Homero Lacerda – Se ele apresentar uma proposta boa, forte, não haverá problema algum. Agora, Milton tem que apresentar a proposta e, principalmente, as pessoas que vão executá-la. Pois as pessoas envolvidas é que fazem a diferença. Não adianta dizer ‘eu vou fazer um grande CT’, por que aí eu pergunto: com quem?

meuSport.com – Segundo Milton, o grupo gestor atual permanece. Na coletiva de imprensa foi afirmado que pelo menos 80% dos nomes atuais seguiriam trabalhando com ele.

Homero Lacerda – Pode permanecer, não tem problema nenhum. Mas tem que melhorar muito, precisa reforçar esse grupo. Por exemplo, as pessoas que estão no futebol são boas, são meus companheiros, mas precisa melhorar. Tem que reforçar este grupo e criar um projeto de gestão. Por exemplo, o São Paulo. Se você analisar o São Paulo nos últimos quinze anos, verá que estes resultados não são frutos da era Muricy, é coisa que vem bem antes, pois o São Paulo tem uma discplina, um plano traçado, uma gestão que fez o clube alcançar tudo isso. Lá o jogador se enquadra, há toda uma preocupação, todo um trabalho com o extra-campo, com palestras, nutrição, medicina, fisiologia… E digo isso por que conheço pessoalmente. Inclusive convidei pessoas do São Paulo para fazerem palestras aqui. A nutricionista deles por exemplo veio até aqui, trocamos idéias e experiências, ela ficou impressionada com o trabalho que estávamos realizando, elogiou muito. E não trouxe apenas suas dicas, levou muitas nossas pra lá, pois a Drª Flávia, nossa nutricionista, é uma profissional excepcional. E que precisa ser mais utilizada.

Veja só, quando cheguei em 2005, nossa nuticionista não era explorada. As refeições não eram boas, na verdade eram da pior qualidade para atletas de futebol. Tinha jogador comendo em fast food… Então fizemos palestas de conscienteização, trasformamos os jogadores em atletas. Pois essa preocupação não existia.

Olhe, a torcida se engana muito com uma coisa, pensa que contratar jogador resolve tudo. Não resolve! Você pode ter um elenco da melhor qualidade, um técnico da melhor qualidade e não chegar a canto nenhum, não conquistar nada. Pois se não existir disciplina, conscientização, o foco na superação em cada partida, o condicionamento psicológico, a tranquilidade, a paz para manter o grupo unido… Se não houver isso, rapidamente se forma três, quatro grupos dentro do elenco, uns e outros tomando cachaça… Então tem que haver essa preocupação, só depois de implantar isso, de haver essa conscientização, disciplina pra valer, é que podemos almeçar algo. É preciso lembrar que muitos destes jogadores são garotos ainda e são garotos que vieram do nada, que tiveram uma infância e adolescência muito humilde, sem a orientação de pai e mãe, sem estrutura familiar e rapadiamente se vêem ganhando 60, 70 mil reias e se deslumbram com esse novo mundo. É difícil! Tem que haver um trabalho muito forte junto a cada um deles pra evitar problemas. É antes de tudo um enorme desafio.

Eu faço futebol de maneira diferente. Quando assumi o Sport no final de 2005, início de 2006, eu sabia que seria um dos maiores desafios da minha vida de desportista, pois estava uma verdadeira esculhambação. Eu passei a tomar café da manhã todo dia com os jogadores, para dar o exemplo. Para prestigiá-los, para fazer a diferença! Comigo os jogadores passaram a fazer todas as refeições no clube, ou duas quando o trabalho era num único expediente. Isso fazia a auto-estima subir. Equipamos as vestiárias da melhor maneira possível, a concentração também, é lógico que isso tudo não fui eu apenas, tive a ajuda dos meus companheiros, que foram decisivos para o sucesso do trabalho. Digo que foi na minha gestão de diretor, mas eu sozinho não faço nada. É preciso ter um grupo bom, qualificado, que possa dar condições para tudo isso ser executado. Eu fiz parte de um grupo que trabalhou numa harmonia maravilhosa durante os dois anos que estive lá.

meuSport.com – O senhor citou seu receio que a Libertadores 2009 deixe de ser uma execelente oportunidade e se transforme em algo que acabe com a imagem do Sport. Porém, na Libertadores de 1988 nossa campanha foi pífia e o time praticamente não recebeu reforços… Entedemos que eram momentos históricos diferentes, mas por que tanta preocupação agora, se em 88 trouxemos um volante reserva no Grêmio/RS (China) e um ponta-esquerda (Edson) que demorou demais para se firmar no time?

Homero Lacerda – Muito boa essa pergunta! Veja bem, em 1987 e 1988 o Sport não tinha verba nenhuma de nada. Seja de Clube dos  Treze, seja da Globo ou de outra televisão, quase verba nenhuma de patrocinador, ou seja, não havia recursos. A diferença entre as nossa receita e a dos clubes do sul e sudeste era astronômica! Era algo do tipo, um pra cem! Nós fazíamos quotas para comprar jogador. Digo nós os dirigentes, saía do nosso bolso. Naquele tempo, em comparação a hoje, era tudo muito mais barato, então, com sacrifício, era possível. Então nós não tínhamos ferramenta nenhuma para competir com os grandes clubes e é por isso que digo que hoje o bonde da história está na porta do Sport. Hoje o Sport tem muito recurso. Eu nunca peguei o Sport em boas condições financeiras, nunca! Só peguei bronca pra arrombar! Em 1986 peguei o Sport sem um único jogador e com quatro meses de folha atrasada. Digo isso sem culpar ninguém, pois com certeza quem me antecedeu pegou as mais variadas e pesadas broncas também, não estou culpando ninguém aqui, pelo amor de Deus, pois isso é um desserviço ao Sport.

Então eu fiz assim, em 2005, por exemplo, fui brigar no Rio de Janeiro com a Sport Promotion, que trabalha pra Rede Globo, por uma verba extra, pois apesar de estar na segunda divisão nossa audiência era maior e que só permitiria as transmissões se uma bonificação extra fosse repassada. Então uni os clubes de primeira divisão, Atlético Mineiro, Portuguesa, Coritiba e Guarani, os uni em torno disso, e consegui R$ 300 mil para o Sport e dinheiro para eles também. Agora não, o momento é outro. Só do Clube dos Treze o Sport terá R$ 14 milhões por ano! Patrocinador no Sport hoje paga três, quatro, cinco vezes mais do que pagava em 2005. Houve um trabalho de marketing competente no Sport, que colaborou com isso. Então a situação financeira do Sport é muito diferente da Libertadores de 1988, por isso foi muito bom você tocar neste assunto. Naquela época não tínhamos verba nenhuma, fomos no peito e na raça pra participar de uma Libertadores onde os outros times estavam em condições financeiras muito melhores que a nossa. A Argentina vivia um momento muito bom, o Chile e o Uruguai também… Não tínhamos a menor condição de brigar por aquela Libertadores.

meuSport.com – Mas em 2001, por exemplo, tínhamos um time caríssimo e tudo deu errado, perdemos o hexa inclusive…

Homero Lacerda – Pois é, naquele ano o Sport não foi feliz, os companheiros que lá estavam não foram felizes. Não posso falar  muito a respeito por que não fiz parte do grupo. Deixei o Sport em 2000, pentacampeão pernambucano e na primeira divisão. Peguei mais uma vez o Sport, em 1999, laterna do campeonato brasileiro, numa crise terrível, com Luciano Bivar ameaçando renunciar. Fizemos um trabalho belíssimo, eu trouxe Leão, fomos vice-campeões da Copa dos Campeões. Em 40 dias o Sport ganhou cerca de 1,35 milhões de dólares, por que ficou no segundo lugar entre os oito melhores times do Brasil e no final do ano eu saí. Tinha sido mais uma vez requisitado para ocupar a vice-presidência de futebol com Luciano, aceitei como amigo, como companheiro e como rubro-negro. No final do ano saí e fui substituído por Milton, seu irmão. Luciano delegou a ele o futebol, este é um dom de Luciano, saber delegar as coisas. É verdade que o Sport não foi bem, mas isto não quer dizer nada, com certeza ele aprendeu muito! Tanto é que ele fez uma gestão muito boa agora, conquistando títulos importantes.

Clique nos links abaixo e leias as partes 2 e 3 desta entrevista:

ENTREVISTA – Homero Lacerda (2ª parte)

ENTREVISTA – Homero Lacerda (3ª parte)

 

Redação meuSport.com