‘Comecei a me sentir omisso’

Depois de viver o Sport intensamente durante cerca de 15 anos, ocupando cargos importantes dentro da instituição, inclusive um mandato de presidente-executivo, no biênio 1987/88, o engenheiro civil Homero Lacerda, 58, passou os últimos cinco anos afastado do Leão da Praça da Bandeira. Mesmo convocado por várias lideranças para voltar ao cargo supremo e comandar os rumos rubro-negros no Centenário, o compromisso com a família falou mais alto. Necessitava de mais tempo para se dedicar à esposa e ao filho, a outros negócios e ao hobby preferido, praticar windsurfe. Algo, aliás, que leva muito a sério, promovendo e participando de competições importantes.

Os insucessos durante o ano emblemático, novos apelos de torcedores comuns e dirigentes leoninos e um certo sentimento de omissão, entretanto, convenceram Homero de que era a hora de voltar a contribuir com a sua experiência. Nesta entrevista concedida à Folha de Pernambuco, o mais novo integrante do Departamento de Futebol fala sobre um certo “jeito de fazer futebol”, as metas para a próxima temporada, o relacionamento com Luciano Bivar e o escândalo
da arbitragem.
         
Por que não aceitar a convocação para ser presidente-executivo, nas eleições do ano passado, e por que o senhor mudou de idéia e voltou ao clube?
Queria me dedicar mais a outras coisas, afinal, foram 15 anos vivendo o Sport. Prejudiquei o relacionamento com a família. Quase não via meus filhos do primeiro casamento. Agora, estou casado novamente, tenho outro filho pequeno e me dei o privilégio de tomar café, almoçar e jantar em casa. Ter uma vida mais tranqüila, praticar meus esportes. Pensava que não iria voltar mais, já tinha dado a minha contribuição. Minha vida estava organizada noutro sentido e, sinceramente, acreditava que o time iria se sair bem neste ano. Infelizmente, o destino foi muito cruel. A torcida está extremamente machucada. Senti isso na rua. Todos me pediram para retornar e comecei a me sentir omisso. Então, voltei porque posso contribuir bastante. Sem falsa modéstia, conheço profundamente o meio e tenho um jeito de fazer futebol que poderá dar bastante resultado. Mas não sou o salvador da pátria. Precisarei dos companheiros de diretoria e da energia da torcida. A meta é ser campeão do Estadual e subir para a Série A.

         
Como é esse “jeito de fazer futebol”?
Vou enquadrar os jogadores e fazê-los entender o nosso planejamento. É algo parecido com o que foi aplicado em 2000, quando ficamos em quinto colocado da Copa João Havelange, mas ainda melhor. Medicina ortomolecular (visa o equilíbrio químico do organismo através do uso de substâncias e elementos naturais), um método de ponta que, até hoje, somente o Sport utilizou no Brasil. Cerca de 80% dos atletas de alto nível dos Estados Unidos utilizam este artifício. Temos também que trabalhar a consciência dos jogadores, aumentar a cultura deles. Além disso, claro, excelente preparação física e nutrição. Para se ter uma idéia, não tivemos uma contusão muscular em 2000, assim como não recebemos um cartão vermelho, porque os jogadores estavam equilibrados organicamente e espiritualmente. No final das contas, até mesmo os diretores pediram participar do trabalho junto com os atletas. É algo que faz o sujeito dormir bem, acordar bem, digerir bem…

         
Mas os técnicos de hoje aceitam com facilidade este tipo de trabalho?
É por isso que, em determinada época, sugeri o nome de René Simões e de certa forma ainda insisto na vinda dele. Ele conheceu este tipo de trabalho e se aprimorou nos Estados Unidos. Implantou a medicina ortomolecular quando dirigiu a Seleção Brasileira feminina (2004) e levou o time à medalha de prata nas Olimpíadas de Atenas. Só perdeu para as americanas, que não sabem nada de futebol, porque elas já trabalham deste jeito a muito tempo. Ou seja, a preparação física, a disposição muscular, entre outras coisas, superaram a técnica. Quem não se lembra do preparo físico de Russo em 2000? Tinha forma física de animal. Ele brincava com o lateral-esquerdo adversário. Com meia hora de jogo, seu marcador estava com meio palmo de língua para fora. Qual treinador não gosta de ter esse aparato e esse material humano à disposição? Por isso que os treinadores que conversamos se encantam com o nosso projeto. Ele só vai se preocupar com a parte técnica e tática. Terá o jogador no melhor da sua forma física e espiritual.

         
E os atletas? 
O elenco é extremamente receptivo, mas é preciso competência para implantar um trabalho desse. Com a compreensão, a disciplina fica facílima de ser aplicada. Em 2000, os olhos dos atletas brilhavam a cada palestra de conscientização. Eles mesmos tomavam a iniciativa de participar do trabalho. Sei dos benefícios porque fiz o tratamento. Tenho 58 anos e continuo um atleta, superando vários garotos de 18 e 19 anos. Os atletas de hoje vivem tomando cachaça, se embriagando. Não é para tomar nem mesmo refrigerante. Jogador tem que ter hora para dormir, hora para acordar e vai tomar a quantidade certa de água. Tem de ingerir o carboidrato e a proteína separadamente. Ou seja, uma série de responsabilidades. Mas não dá para empurrar goela abaixo, senão vira disciplina militar. Mas se depois de todo o estímulo o cara não quiser fazer o trabalho, não vai ficar no mesmo lugar que eu. Respeito, indico para outros clubes, mas não joga no Sport.

         
A possibilidade de um Departamento de Futebol autônomo facilita a implementação das suas idéias?
O presidente Luciano Bivar tem as razões para querer desvincular o Departamento de Futebol das outras esferas do clube. Ele tem bastante preocupação com responsabilidade fiscal e outras questões que envolvem esse processo. A princípio, acho que o pensamento dele procede, mas não vou me envolver com isso. O Conselho Deliberativo deve aprovar o novo estatuto e haverá esta possibilidade. Porém, com autonomia ou sem ela, temos que juntar todo mundo do clube e remar numa direção só. O Sport pode ter o Futebol autônomo quinhentas vezes, mas não vai dar um passo sequer sem a participação de Luciano Bivar. Precisamos dele. Pensar em deixar o presidente cuidando do clube e a gente do Futebol, pode esquecer. Como amigo do próprio Bivar, tenho autoridade para dizer isso. Ele, inclusive, vai anunciar quem será o técnico para a próxima temporada. Vou sugerir, Gustavo Dubeux vai endossar, mas, num regime presidencialista, a última palavra é a do presidente. Esse papo de Futebol autônomo pode existir no papel, mas, na prática, ele vai participar de tudo e vamos botar as faixas juntos.

         
A ligação Homero Lacerda/ Luciano Bivar parece bastante forte.

         
Nas minhas grandes conquistas dentro do clube, Bivar sempre esteve ao meu lado. Ou eu era presidente e ele vice ou o contrário. O Sport foi o nosso elo de ligação. Depois disso, a convivência continuou e a amizade se solidificou. Nós temos um respeito mútuo, confiança mútua e afinidade de idéias e pensamentos. Hoje, inclusive, nós somos parceiros e jogamos tênis juntos. Só não sabe fazer o marketing pessoal. Neste ano, ele passou por uma cirurgia de coluna e, por conta do tratamento, passou bastante tempo nos Estados Unidos. Como não diz a ninguém, o pessoal começa a falar que fugiu na pior hora ou foi omisso, críticas extremamente injustas. Falamos todos os dias pelo telefone e Bivar sempre esteve envolvido nas decisões. 

Algumas vezes, não falta um pouco de humildade ao torcedor do Sport, como, por exemplo, cair na realidade e admitir que está na Segunda Divisão?
É uma característica da nossa torcida. Sabe que se trata de um clube extremamente forte e nunca vai pensar pequeno. É preciso pensar grande, mas com humildade. Essa é a grande combinação. Formar uma grande equipe e buscar os objetivos com simplicidade. Às vezes, existe um pouco de arrogância. Essa arrogância que eu gostaria que fosse menor. Mas não atrapalha muito. Outra coisa importante; esse momento de adversidade, quando se está massacrado, tem um lado positivo. É a hora de mostrar que somos competentes. Quer algo melhor que buscar o título de um campeonato contra rivais que estão na Primeira Divisão? Tornar-se decacampeão não teria a mesma repercussão que levantar a taça nessas circunstâncias. Para um desafio grande, temos que dar um salto enorme. Vamos crescer com as dificuldades, não sucumbir. É uma coisa que aprendemos com os anos de experiência. Em 99, o Sport foi lanterna do Brasileiro, mas, no ano seguinte, juntei-me a Luciano Bivar e o time alcançou a quinta colocação, além de termos conquistado o penta e sido vice da Copa dos Campeões.

         
O senhor falou em conquistar o título do Pernambucano com Náutico e Santa Cruz na Primeira Divisão?
Estou torcendo muito para que os dois subam este ano e peço que a torcida do Sport entenda isso. Gostamos de vitórias grandes. Não tem glória maior do que brigar com dois co-irmãos que estão na Primeira e bater ambos. Vamos guardar o nosso revanchismo, no bom sentido, e ganhar com eles sendo integrantes da Série A. Além disso, são pernambucanos. Jamais vou torcer para a Portuguesa ou para o Grêmio. Inclusive, fiquei chateado com a sacanagem que fizeram, quando marcaram pênalti para a Portuguesa contra o Náutico. O juiz tentou garfar e não conseguiu. Não estou vendo chifre em cabeça de cavalo. Portuguesa e Grêmio são muito fortes no extracampo. Aliás, a prisão de Edilson Pereira de Carvalho não vai diminuir a sujeira que fazem no Sul. Eles só vão parar de combinar as coisas pelo telefone. Outra coisa, não caio nessa balela de que se tratava de máfia de apostadores. Tenho certeza de que há clube por trás disso, e aposto a minha vida.