‘O que me atraiu no Sport foi o projeto’

Quando deixou o Náutico no final do último ano, Zé Teodoro levou a fama de treinador sem pulso. Mesmo assim, a direção alvirrubra voltou a procurá-lo neste ano por duas vezes. Ele não acertou as pendências financeiras passadas e não retornou aos Aflitos, apesar de a direção da Rosa e Silva o anunciar como novo técnico no começo deste mês. O treinador, ao contrário, aceitou a proposta do Sport, acirrando ainda mais uma disputa pessoal entre dirigentes do Timbu e do Leão que foi levada ao universo do futebol.


O agora comandante leonino se apresentou na Ilha do Retiro na última segunda-feira e tratou de avisar à Imprensa que não falaria do antigo clube. “O Náutico faz parte do passado”, declarou. Teodoro, no entanto, em entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco abriu o jogo. “Eu fiquei chateado porque houve um descaso e só me acionaram nos momentos de maior dificuldade”, disparou. “Eles sabem que eu não retornei porque faltou boa vontade, reconhecimento e valorização”, completou. Zé também conversou sobre o trabalho que pretende realizar no Rubro-negro a partir da próxima semana e sobre o Campeonato Brasileiro da Série B deste ano.
         
Folha de Pernambuco – Você teve uma seqüência de vitórias no Náutico, mas não conseguiu manter na Portuguesa. Por quê?
Zé Teodoro – O Náutico foi montado no campeonato regional. Houve uma seqüência de um trabalho de 11 meses. Tive tempo. Quando cheguei na Portuguesa, encontrei só a estrutura física. Não tinha jogador e nem comissão técnica. Eu montei tudo do zero dentro de um prazo pequeno. Me apresentei na Portuguesa no dia 3 (de janeiro), quando a diretoria entrou, comecei a treinar no dia 5 e iria estrear contra o Santos, na Vila Belmiro, no dia 10. Tudo foi feito às pressas. Teve jogador que se apresentou na semana da estréia. Montar o time dentro da competição é difícil. Tivemos também uma dificuldade no início, quando eu cheguei no Náutico. Ou seja, treinador precisa de tempo. Se você chega num local e tem a estrutura e a base e usa o regional como laboratório para o Brasileiro, é diferente. Estou chegando de dois insucessos que o clube (o Sport) está tendo. Só resta agora a campanha no Campeonato Brasileiro, que é longa e dá tranqüilamente condições de trabalho.
         
FP – E como foi o seu trabalho no Rio Branco?
ZT –
Quando cheguei, o Rio Branco tinha sete derrotas consecutivas. Estou na oitava rodada e consegui três vitórias e dois empates. Eu peguei um clube que não tive condições de contratar. O grupo foi montado por Luís Carlos Cruz. A defesa levava 2.6 de gols por partida. Agora, passou a tomar 0.8. Esse trabalho foi um desafio. Eu conhecia as pessoas daqui, moro na cidade e vim para colaborar. Vim com uma proposta inferior às que tive, mas aceitei enfrentar o desafio.
         
FP – Você amadureceu em algum aspecto desde a sua saída do Náutico?
ZT – Amadureci em todos os sentidos. O que mais amadurece um treinador é montar. Pegar pronto, com base, é fácil. Somente encontrei o time do Rio Branco montado. Não tive condições de fazer nada e o clube fez um investimento baixo.
         
FP – Qual foi o motivo de você não ter acertado com o Náutico?
ZT –
Eu não quero ficar comentando mais porque o Náutico faz parte do passado. Mesmo assim, eu vou dizer. A diretoria (do Náutico) tem, com certeza, consciência do motivo de terem me convidado duas vezes e eu não voltei. Fizeram um monte de comentários, mas eles sabem que eu não retornei porque faltou boa vontade, reconhecimento e valorização. Não é valorizar o contrato de trás para frente. É resolver o passado. Mostrei interesse e tinha vontade. A torcida e os funcionários não têm culpa. Faltou ter resolvido a coisa com antecedência.
         
FP – Você ficou triste?
ZT –
Não. Eu fiquei chateado porque houve um descaso e só me acionaram nos momentos de maior dificuldade. Só lembraram de mim nos momentos mais difíceis. Deveriam ter a consciência, ou seja, o reconhecimento e me valorizar porque sabiam que deixei as portas abertas e um dia poderia voltar.
         
FP – Disseram que você não tinha palavra. O que você tem a falar sobre isso?
ZT – A notícia da minha contratação era para ser divulgada depois do jogo contra o Palmeiras. No Sport que também vazou a notícia. Só que o Náutico usou de um artifício que eu achei falta de respeito.
         
FP – Que artifício?
ZT –
De negociar, anunciar meu nome, sem pagar, acertar as pendências. Existiam clubes de Goiás, de São Paulo, de Santa Catarina e do Nordeste também. Me anunciaram logo e colocaram que eu estava empregado para que os outros clubes não me procurassem.
         
FP – Isso fechou alguma porta?
ZT –
Lógico! Tive propostas de outros clubes que depois, como o próprio Guarani, não me procuraram de novo porque eu teria acertado com o Náutico. Colocaram a coisa como definitiva sem definição porque estavam com pressa. Estávamos conversando, negociando. Existiam possibilidades. Eu falei que até domingo (passado) resolveríamos. Se isso acontecesse, eu poderia até mandar o Robertinho (Roberto Moreno, auxiliar técnico) na segunda. Tínhamos alguns empecilhos como relação à comissão técnica. Eu tinha uma equipe de trabalho e uma proposta financeiramente bem superior.
         
FP – O que lhe atraiu na proposta do Sport?
ZT –
O que me atraiu foi o projeto, o planejamento do Centenário, o investimento num trabalho que busca brigar para voltar à Primeira Divisão. Além disso, a estrutura, a condição em todos os sentidos que o clube ofereceu. Posso ter um pouco mais de condições de trabalho e o resultado pode até ser superior ao que fizemos no Náutico.
         
FP – O que você já pode falar desse elenco rubro-negro?
ZT –
O elenco tem potencial, tem qualidade. É lógico que depois vamos fazer uma análise melhor. Também vou fazer algumas avaliações durante a semana da estréia (na Série B) para dar um pouco mais de força, velocidade e juventude mesclada com experiência.
         
FP – Quando você chegou, declarou que existem coisas a melhorar. Que tipos de coisas?
ZT – Temos que melhorar em tudo. Vamos jogar um futebol mais ousado, mais alegre. Vamos melhorar a marcação, a pegada e a velocidade. Vamos dar um padrão melhor de jogo para a equipe.
         
FP – O aspecto psicológico também, né? Afinal de contas, você disse quando se apresentou que encontrou alguns jogadores cabisbaixos.
ZT – Vamos levantar a auto-estima. Levantar o aspecto emocional, o espírito, dar vida. Queira ou não queira, o grupo perdeu um campeonato regional e uma vaga na Copa do Brasil. Temos que reerguer e dar uma sacudida no grupo para começar o Campeonato Brasileiro.
         
FP – Houve um entrave no Náutico envolvendo o Tuco (preparador físico) porque o clube tem o Guilherme. O Sport também tem um profissional da casa, o Tacão. Como vai funcionar essa relação?
ZT –
Como sempre funcionou. Temos um respeito. O Guilherme trabalhou normalmente. O relacionamento vai ser ótimo. O Sport nos recebeu muito bem. Gostei, como gostei do Náutico. Encontrei resistência com o Tuco na volta ao Náutico. Já no Sport não encontrei. Todos comungam do pensamento de trabalhar.
         
FP – Você deixou alguma coisa no Recife?
ZT –
Deixei o lado positivo. Conquistei um título. Conheço a Imprensa e a torcida. Sei a maneira de trabalhar. É lógico que vivemos de resultados. Mas vamos fazer andar. Eu acho que o Sport é um clube de uma grandeza e uma tradição e dá condições de se fazer um trabalho.
         
FP – Você falou que deixou uma missão a terminar aqui. Qual é?
ZT –
A minha missão é levar uma equipe do Recife de volta à Primeira Divisão. É o maior desafio que tenho. Eu vou buscar agora num clube grande, que precisa sair da acomodação na Série B. Entrou e se acomodou. Vamos cutucar e levantar o Leão para galgar objetivos melhores. Não se pode ficar no anonimato da Série B com um grupo que se tem hoje e com a estrutura.
         
FP – Como você enxerga a Série B deste ano?
ZT –
Eu acho que vai ser uma competição mais difícil do que a Série A. Quem tiver investimento, uma linha de trabalho, se projetar, fizer um grupo forte e começar a jogar com um condicionamento bom, uma pegada, jogando futebol, sem dúvida vai surpreender. E sempre vale o ditado do bom aluno. Vamos por etapas. Vamos conseguindo os objetivos que pretendemos a cada jogo.
         
FP -O Sport é favorito?
ZT –
Não tem favorito hoje na Série B. Todos estão brigando e o que vale é a regularidade na competição.