ESPECIAL – Moreninha ainda faz a Ilha tremer

O maestro Nelson Ferreira era torcedor do Santa Cruz, mas sua primeira música dedicada a um clube de futebol teve o destino da Ilha do Retiro. É de sua lavra, em parceria com Sebastião Rosendo, o frevo-canção “Pelo Sport tudo”, que a grande maioria dos rubro-negros chama Moreninha. Nesta matéria, a segunda da série ontem iniciada, mostramos as louvações ao Leão da Ilha, feitas, em tempos diversos por verdadeiros amantes da música e do Leão da Ilha, como o maestro Nunes, um paraibano pernambucanizado, Jovino Falcão, Rogério Andrade e Eunitônio Pereira. Até Renato, de Renato e seus Blue Caps está na lista dos que homenagearam musicalmente o Sport. Algumas músicas não deixam de ter alguma picardia para mexer com os adversários, e um frevo terminou sendo aprovado pelo Conselho Deliberativo, como o hino oficial do clube.

Por Lenivaldo Aragão*

O maestro Nelson Ferreira é o que se podia de chamar eclético, quando o negócio era frevo e futebol. Embora sendo tricolor, foi o Sport, ferrenho adversário do Santa Cruz, o primeiro clube a ser homenageado por ele. Isso aconteceu em 1936. Em parceria com o folclorista Sebastião Lopes, compôs o frevo-canção “Pelo Sport tudo”, que, durante várias décadas preencheu a lacuna causada pela falta de um hino oficial do clube. Popularizada como “Moreninha”, a música tem um grande significado para a torcida, que se agita no estádio, na rua ou no salão, quando a escuta. É esta a letra:

“Moreninha que estás dominando/ Desacatando, agora pelo entrudo/ Chegou a hora de gritares loucamente/ Hip, hip, hurra, pelo Sport tudo – Vejo no batom dos teus lábios/ E no teu cabelo ondulado/ As cores que dominam altaneiras, oh morena/ O meu glorioso Estado/ E passando o Carnaval/ Para que não te falte a boa sorte, dirás/ Na minha vida hei de fazer eternamente/ Tudo, tudo pelo Sport”.

O festejado maestro dedicou também ao rubro-negro o trepidante frevo-de-rua “Casá, Casá”, que arrebata os foliões, quando executado nos bailes carnavalescos.

Em 1941, em parceria com Ziul Matos, Nelson compôs “Qual é o escore, meu bem?”, gravado pelo carioca de Vila Isabel Henrique Foréis Domingues, conhecido como Almirante, um consagrado nome nacional. Começa com a narração de um ataque da seleção pernambucana. A bola passa por Jango (Santa Cruz), Plínio (Sport), Marques (América) e Wilson (Náutico) até chegar aos pés do goleador Tará (Santa), que balança a rede. Depois do grito de gol, vem a música:

“Seja da cobrinha/ Seja do timbu/ Ou seja do leão/ Eu não faço questão/ Quero meu benzinho/ Que neste Carnaval/ Você torça um bocadinho/ Pelo meu coração”.

Segue-se o grito de guerra do Sport – Casá, Casá, Casá –, vindo a segunda estrofe:

“No campo do amor/ Pelo seu coração/ Serei bom jogador/ Em qualquer posição/ Somente eu lhe peço/ E é bem pouco o que desejo/ Cada gol que eu fizer/ Você paga com um beijo”.

NINGUÉM SEGUROU

Em 1975, quando o Sport, sob a presidência do arquiteto e industrial Jarbas Guimarães, propunha-se a acabar com o jejum de títulos, pois tinha sido campeão pela última vez em 1962 e chegaria ao décimo terceiro ano de mãos abanando – os adversários já o apelidavam de Leão XIII –, o advogado Rogério Andrade, na época trabalhando no Bandepe, fez, juntamente com o maestro Duda, outro rubro-negro notável, “Ninguém segura o Sport”. Este frevo-canção contagiou a torcida rubro-negra, o que ainda hoje acontece. Confira:

“Este ano nosso time/ Vai ser mesmo campeão/ Todo mundo vai cantar e dizer/ Ninguém segura o Sport não – Na Ilha vou ver, hei/ A turma pular, hei/ De alegria quando o time entrar/ E mostrar a bola no pé/ Meu Sport em ação/ Casá, casá, casá/ Ninguém segura o leão”.

O clube da Ilha do Retiro usou o marketing de maneira agressiva, tendo motivado sua torcida, que a cada nova contratação – Dario, Luciano, Assis Paraíba, Tobias, Toinho, Peri, Jangada etc. – se assanhava. O maestro Nunes (José Nunes de Souza), paraibano há várias décadas vivendo no Recife, criou “20 vezes campeão”, em alusão ao lema da campanha jarbista, inteligentemente bolado pelo jornalista e publicitário Celso Rodrigues. Nunes procurava ridicularizar os adversários, deixando o Sport em situação superior:

“A cobrinha eu deixo para um lado/ O timbu para outro lado eu vou deixar/ Afasto América, Central e Ferroviário/ Com o leão vou comandar – Quá, quá, quá/ Salve as barbas do leão/ Quá, quá, quá/ Vinte vezes campeão”.

Palavras proféticas, pois o Sport terminaria o campeonato festejando o vigésimo título de campeão pernambucano de sua existência.

AS LEONINAS

Nunes homenageou as mulheres rubro-negras com três frevos-canção. O primeiro, “O mais querido sou eu”, não deixava de ser uma réplica ao Santa Cruz, que se intitulava o clube mais querido do futebol pernambucano – o inesquecível Capiba chegou a dedicar uma música ao Santa com esse título. A resposta de Nunes:

“O mais querido sou eu/ Sou eu o mais querido/ Atualmente há mais mulheres do que homens/ E as mulheres estão comigo – Vá se informar por aí/ E tire uma conclusão/ Em cinqüenta mulheres/ Quarenta são do Leão/ O Papai da Cidade tem um grande coração”.

Em “Leonina querida”, Nunes ratifica a opinião anterior:

“Oitenta por cento das mulheres pernambucanas/ São leoninas de coração/ Gostam do frevo, do samba, do baião/ Brigam feito uma leoa – Leonina querida, vem cá/ Vamos dar um passeio na Ilha/ Domingo o Sport vai jogar/ Vamos ver o olé que ele vai dar/ E pelo Carnaval, com o Bafo do Leão/ Vamos botar pra quebrar”.

Na terceira música, o maestro Nunes elogia a lindeza da mulher leonina, com “Leoa Linda”:

“Leoa linda ela é/ Linda, linda de morrer/ Parece feita de marfim/ Juro que nunca vi beleza assim – Quem a fez, fez com a mão/ Tal a sua perfeição/Já se vê, já se vê/ Só poderia ser da turma do Leão”.

Nunes também gravou frevos-de-rua – apenas orquestrados –, em homenagem ao seu Sport. Houve um momento na gestão Jarbas Guimarães que a barra estava pesando, com o presidente sendo bombardeado com críticas que partiam de todos os lados. O maestro compôs “Segurando a peteca”, doando-o à tradicional troça carnavalesca Cachorro do Homem do Miúdo, cujo presidente, Mário Orlando, era um ardoroso rubro-negro.

Foram feitos também por Nunes “Leão de Ouro” e “Transando com o Leão”. Este foi doado à troça Camisa Velha, cujo nome, segundo Nunes, tem a ver com o Sport. Certa vez, ele prestou-me este depoimento:

“Um grupo de rapazes resolveu sair no Carnaval e improvisou um estandarte com uma velha camisa do Sport”. Estava batizada a nova agremiação.

O falecido Jovino Falcão, um dos fundadores do Bafo do Leão, a primeira torcida organizada do Sport, entrou na onda do frevo da bola. Em 1974, o rubro-negro ganhou um concurso popular promovido pela revista Placar para se saber qual o clube preferido dos pernambucanos. Os leões fizeram questão fechada de dar o título ao clube de seu coração para superar o Santa Cruz, que anos atrás havia ganho um concurso que tinha a mesma finalidade. Deu Sport, com ampla superioridade, e Jovino Falcão não deixou a oportunidade passar, festejando o fato com o frevo-canção “O mais querido”:

“Está comprovado/ Já foi conferido/ Que o mais amado/ O mais amado é que é, é que é/ É o mais querido – É ele o maior em nosso Estado/ Destaca-se do remo ao futebol/ É o consagrado campeão do Norte/ O mais querido, o mais querido/ É nosso Sport”.

De 1979 é “Hino à Treme Terra”, a vibrante e tradicional torcida, que nada tem a ver com as desordens que são praticadas nos estádios ou fora dele por grupos similares. Trata-se de um frevo-canção de Renato Barros, do conhecido conjunto “Renato e seus Blue Caps”, sob cujos acordes a Treme Terra dá o sinal de sua chegada ao estádio, com estridentes sons metálicos:

“Chegando lá na Ilha do Retiro/ Ô abre alas que o Sport vai jogar/ O rubro-negro é cor de guerra/ E o Sport estremece a terra – Vivendo pro Sport esta emoção/ A galera se engrandece muito mais/ Quem não fala do Sport é mudo/ Pelo Sport tudo”.

MAIS ROGÉRIO

O compositor Rogério Andrade é insaciável, tendo feito, além de “Ninguém segura o Sport”, outros três frevos-canção dedicados a seu clube, a começar por “Galera rubro-negra”:

“Alô, galera rubro-negra/ O nosso Sport cada dia tá demais/ Vamos cantar BIS/ Vamos sorrir/ E mais essa grande vitória curtir – Ô, ô, ô/ Ô, ô, ô (bis)/ Ô, ô, ô/ Sport.

O pentacampeonato rubro-negro em 2000 também foi festejado por ele, com “Sport pentacampeão”:

“Sou do Sport/ pentacampeão (bis)/ Eu sou da Ilha/ Eu sou leão – E a turma já prepara um novo grito/ Ninguém agüenta tanta emoção/ E grita numa só voz:/ Pentacampeão!/ Pentacampeão/ Pentacampeão”.

A valiosa presença de Rogério nesta lista de frevos-canção que cantam louvores ao Leão da Ilha, encerra-se com “Festa na Ilha”:

“Hoje é festa na Ilha/ Nosso time vai jogar (bis)/ O rubro-negro/ É bom de bola/ E a galera já começa a frevar – Vem cá, vem ver/ Nosso time deitar e rolar (bis)/ É muita garra/ Quando ele começa a jogar”

FINALMENTE, O HINO

Uma música que se eternizou no clube da Ilha foi “Sport, uma razão para viver”, composto em 1975, mas que só foi gravado em 1979, num compacto simples, que traz o frevo-de-rua de Nelson Ferreira, “Casá, Casá”, na outra face. O frevo-canção do engenheiro Eunitônio Pereira, um rubro-negro de berço, pois seu pai – o ex-prefeito do Recife, Antônio Pereira, também o era –, terminou recebendo um novo andamento musical e foi oficializado pelo Conselho Deliberativo leonino como o hino oficial do clube:

“Com o Sport/ Eternamente estarei/ Pois rubro-negras são as cores que abracei/ E o abraço, de tão forte/ Não tem separação/Pra mim o meu Sport/ É religião/ A vida a gente vive/ Pra vencer/ Sport, Sport/ Uma razão para viver/ Casá, Casá (hei)/ Casá, Casá (hei)/ Sport! Sport! Sport!”

Vale salientar que o “Casá, Casá” só foi composto por Nelson Ferreira a pedido de Eunitônio, então um garoto, que queria uma réplica ao “Come e Dorme”, que Nelson fizera em 1953 para o Náutico. Foi atendido, e o célebre frevo-de-rua ainda hoje agita os torcedores rubro-negros.