José Joaquim: “Só haverá dois times aqui”

Ex-dirigente do Sport e da Federação Pernambucana de Futebol, José Joaquim Pinto de Azevedo, não deixa de se inteirar sobre a realidade do futebol brasileiro. Aliás, ele não se permite em ficar apenas a contemplar os fatos e, só para variar, desfere opiniões críticas e polêmicas sobre diversos assuntos. Nesta entrevista, ele aponta as razões dos principais times de Pernambuco estarem há quatro anos na Segunda Divisão.

Sociólogo de formação, José Joaquim acredita que a solução para o atual momento turbulento das administrações falidas, em especial de Santa cruz e Sport, está na gestão esportiva profissional, livre de todo e qualquer tipo de amadorismo ou mesmo abnegação. Em termos de futuro, Joaquim também acha que a tendência no Recife será de apenas dois grandes clubes, devido à demanda da população. Confira a entrevista do “Iluminista pernambucano”.

Folha de Pernambuco – A que o senhor atribui o fato do futebol pernambucano estar fora da Primeira Divisão, há três temporadas?

José Joaquim – Vão entrar no quarto, em 2005, e vão continuar até o décimo ano. O problema chama-se gestão esportiva. O dirigente pernambucano é bem intencionado, apesar de ser amador. Por causa disso, o futebol de Pernambuco esqueceu-se da renovação de valores.

FP – Em que consiste esta renovação?

JJ – Na formação de atletas locais, da casa. Se você for analisar, por exemplo, o time do Santos… É o líder do Campeonato Brasileiro da Série A. Mas, onde ele foi feito? Veja as contratações que o Santos fez para reforçar o grupo… Veja também o Atlético Paranaense, que é o vice-líder. Onde foi feito? Claro que se traz um ou outro atleta para compor o grupo. Mas tem que haver uma prata, feita dentro de casa.

FP – A realidade dos clubes do Recife impõe o seguinte duelo: paciência x imediatismo. Como administrar esta situação?

JJ – A paciência é muito melhor do que o imediatismo. Porque o imediatismo não vai levar à nada. O melhor exemplo deste ano é o Sport, que contratou mais de 30 jogadores, trocou de técnico três vezes e não resolveu nada. Aliás, não caiu à Terceira Divisão por um acaso. Resolveu o quê no imediatismo?

FP – Qual a medida mais adequada para buscar esta solução?

JJ – A saída está na construção de um Centro de Treinamento. Aqui no Recife, só o Náutico dispõe de um. Mas, Sport e Santa Cruz não têm um CT. Formar o jogador, trazer outros vindos da Região, aprimorar estes jogadores, esta é a rotina natural. A partir daí você vai ter uma equipe base para disputar uma Segunda Divisão e poder aspirar voltar à elite do futebol brasileiro. Caso contrário, serão dez anos fora da Primeira Divisão.

FP – Mas, como é possível converter a ânsia dos torcedores em paciência para esperar um resultado positivo, em termos de conquista de grande repercussão?

JJ – Se o dirigente tiver a seriedade de conversar com o torcedor, então haverá compreensão e paciência. O que é que ele está fazendo com o torcedor. Na hora em que ele (o dirigente) disser: ‘Olha, nós vamos arrumar um time para daqui a um ano começar a ganhar. Mas vocês têm que ajudar!’…

FP – Na prática, como é que se dará este canal de comunicação entre as partes?

JJ – Em 1973, no Sport, eu coloquei um time de juvenil para disputar o Pernambucano daquele ano. Eram jogadores com 15 anos de idade. Então, fui às rádios e jornais – a televisão apoiava pouco, naquela época -, para explicar aos torcedores a necessidade de apoio à equipe. E houve correspondência, pois os dois maiores públicos, na época, ocorreu nos dois jogos decisivos entre Sport e Santa Cruz. Perdemos, mas, dois anos depois, o Sport foi campeão estadual.

FP – A renda dos jogos é colocada, de maneira equivocada, como principal fonte de arrecadação dos clubes. Que solução deveria ser tomada pelos dirigentes dos clubes?

JJ – Olhe, se não é, deveria ser, pois a renda sempre foi. Se no Brasil é o quarto item, na Europa ainda é o primeiro. Lá, ela ganha da televisão e da marca, ou seja, da venda do produto. No Brasil, até o ano de 1994, você não tinha dinheiro de televisão. A melhor época da vida financeira do Sport foi de 1991 até 1994. Só que, em 91 não havia crédito para se comprar um lápis. Em compensação, três anos depois havia crédito para se comprar um avião. Era dinheiro do próprio clube, do quadro de sócios, da renda de jogos etc.

FP – A disputa do Estadual não ilude os dirigentes, quanto a formação e preparo ideais da equipe para buscar uma vaga na elite nacional?

JJ – Não. O Estadual tem que servir como laboratório, quer dizer, ser o formador da equipe. Por exemplo, o Náutico esse ano tinha tudo para subir para a Primeira Divisão. Era a melhor equipe do Brasileiro da Série B. Eu afirmava isso até há pouco tempo. Mas quando foi disputar o quadrangular semifinal, o time degringolou. Mas o Náutico ficou com a mesma equipe, praticamente, desde o começo do Pernambucano.

FP – Na sua opinião, o que aconteceu com o Náutico?

JJ – Não sei. É um problema interno que tem que ser analisado pelos dirigentes do clube. Que houve algo de errado, isso houve! O Náutico era melhor do que todos os demais times. Não é possível você fazer uma campanha brilhante, na primeira fase, após 23 rodadas terminar em segundo lugar e depois não vencer três jogos na fase semifinal. O caso da fuga de Jorge Henrique, por exemplo, desmoralizou o futebol de Pernambuco.

FP – Há no Brasil algum modelo de gestão esportiva a ser destacado? Por quê?

JJ – O São Paulo. Não é o ideal, mas está a caminho do ideal. Trata-se de um semi-modelo para se chegar ao ideal de uma gestão de clube de futebol. O São Paulo acompanha a dinâmica dos fatos. Ele se provém de jogadores que, no futuro, são vendidos ao exterior. Isso equilibrou a receita deles.

FP – A oxigenação quanto aos dirigentes de futebol é necessária ao progresso da modalidade?

JJ – Eu tenho uma proposta que está na Comissão de Esportes que está regida pelo seguinte termos: reeleição, só uma vez. Seja de clube, de federação, de confederação, reeleição só uma vez! Presidente da República não é o mais alto cargo do país? Pois bem, o presidente só se reelege uma vez. O presidente do Superior Tribunal de Justiça, maior cargo da Justiça, também só se reelege uma vez.

FP – E no caso do atual presidente da Federação Pernambucana de Futebol, Carlos Alberto Oliveira, que está no poder há uma década?

JJ – Carlos Alberto, justiça seja feita, ele instituiu no Estatuto da Federação Pernambucana de Futebol de que só pode haver reeleição uma vez.

FP – Sobre a mentalidade dos dirigentes locais, evoluiu ou não? Por que?

JJ – Não evoluiu em nada. Nós regredimos. Eles (os dirigentes) são uns apaixonados, quer dizer, substituem a razão pela emoção. No futebol, ou em qualquer outro gerenciamento esportivo, deve-se usar a razão. Usar a lógica, o bom senso… Os dirigentes chegam quase à beira da loucura. Então, isso é amadorismo puro.

FP – Então, qual é a saída para corrigir esta falha dos dirigentes pernambucanos?

JJ – A profissionalização. Não tem outra solução. Basicamente em três setores do clube: marketing, financeiro e futebol. Têm que ser contratados profissionais, que sejam bem pagos, para resolverem todos os problemas do clube. Daí, os dirigentes chegam à noite, se sentam à mesa e vão conversar sobre tudo o que ocorreu, como se fosse uma prestação de contas.

FP – E como se daria este processo?

JJ – Olhe, essa questão de se transformar os clubes em S/A (sociedade anônima) é uma bobagem muito grande. O futebol pode ser profissionalizado completamente através de um profissional sério, competente, que dê conta do recado.

FP – E essa questão que se coloca como entrave, que é o fato de clubes centenários, como o Náutico, e os outros quase, como Sport (99 anos) e Santa Cruz (90 anos), perderem suas raízes?

JJ – Eu conheci a Mesbla, o Mappin, os bancos Econômico e Banorte. Todos estes estabelecimentos tinham 100 anos e fecharam… A questão é de que, clube mal administrado pode fechar também, depende da gestão. O América do Rio tem 100 anos, mas está fadado ao esquecimento.

FP – O publicitário José Nivaldo Júnior chegou a afirmar, há cerca de uma década, de que a tendência será a existência de apenas dois grandes clubes no Recife. O senhor corrobora com esta afirmação?

JJ – É uma questão de demanda. A demanda por uma situação ou produto pode diminuir ou aumentar. A área metropolitana da cidade do Recife vai diminuindo e a economia não vai atingir aos três grandes clubes. Talvez até falte recurso para todos. O melhor exemplo disso é o Paraná Clube, de Curitiba. Já o Rio não comporta mais Fluminense e Botafogo. Eles estão fingindo que ainda existe essa possibilidade. A demanada está entre Flamengo e Vasco.

FP – Nesse sentido, qual e como seria a fusão entre clubes, no Recife?

JJ – Pernambuco ainda tem, segundo uma pesquisa divulgada por um veículo de comunicação, mais de 3 milhões de torcedores, sendo esta parcela dividida entre Náutico, Sport e Santa Cruz. Para o nosso estado, trata-se de uma marca boa. Mas, na hora em que for diminuindo a demanda, como Botafogo e Fluminense, no contexto de lá, o futuro pode sim reservar esta realidade. Agora, como vai ser aí eu não sei porque não sou pitonisa (na Antigüidade, mulher que previa o futuro).

FP – No Recife, há quem defenda a influência da política partidária como forma de fazer pressão para se atingir os objetivos ou conseguir os interesses do futebol local. O senhor concorda com esta postura?

JJ – Nada haver! Inclusive, eu sou favorável que o estatuto dos clubes tenham como proibição a participação do político, caso ele esteja exercendo o mandato, de ser alguma coisa dentro da agremiação. Seja até mesmo o cargo de conselheiro. Na hora que ele tiver um cargo político, então deve se afastar do clube para se evitar a mistura: política com futebol. Porque o político, às vezes, usa o clube.

FP – Mas, e a tal da influência para ajudar ao “clube do coração”?

JJ – Acredito que não haja essa influência do cidadão que é deputado, senador… Ele vai influenciar o quê? Vai ganhar jogo? O árbitro vai roubar porque o time daquele determinado político é senador? Se o sujeito é um dirigente sério, competente, então não precisará de político nenhum! Temos é que lembrar que está em vigor o Estatuto do Torcedor (Lei Federal 10.671) onde a tabela não pode ser modificada, o regulamento não pode ser alterado para ajudar a ninguém. O torcedor tem o direito de cobrar!

FP – Qual a sua leitura sobre a atual situação do futebol brasileiro?

JJ – O futebol brasileiro está morto por falta de gerenciamento e pela ausência de público nos estádios. O Campeonato da Série B até que tem público, pelo menos em alguns setores. Em especial, os clubes de maior tradição. Mas nos jogos da Série A, não tem jeito: estádios quase vazios. Está faltando alguma coisa.

FP – Na sua opinião, o papel da imprensa, neste sentido, como tem sido?

JJ – Me perdoe, mas a imprensa também entrou no mesmo processo do futebol brasileiro, ou seja, estacionou. Quer dizer, ficou apaixonada, como o dirigente amador. Viver o mesmo clima que o torcedor e o dirigente, não é bom para o cronista. A imprensa tem que ser, fundamentalmente, investigativa. Denunciar o que está errado, como salários pagos em 90 dias, ou mesmo o corte de energia de um clube, devem ser noticiados, sim!