‘É preciso coragem para fazer uma insurreição’

Quando o presidente do Sport, Severino Otávio (Branquinho), ainda nem sonhava em lançar alguém para sua sucessão, já evocava o nome do empresário e ex-presidente Luciano Bivar, 59 anos. Para Branquinho, era imprescindível que o ex-dirigente, e um dos maiores colaboradores do clube, tomasse ciência do que pretendia realizar, para poder dar início ao processo sucessório. Depois de muito disse-me-disse e de informações desencontradas de que Bivar estaria no Recife, o empresário, enfim, chegou à cidade, na última quarta-feira, após estar afastado por quase dois meses, pois estava gerindo seus negócios nos Estados Unidos e em países da Europa. Sexta-feira, Bivar recebeu a reportagem do Jornal do Commercio, no seu escritório, no Recife Antigo. Ao jornalista Marcelo Henrique Sá Barreto, mais do que falar sobre o Sport e a sucessão, que se arrasta há um mês e 15 dias, trouxe à luz algo novo, o qual diz ser a redenção do futebol pernambucano: “Os clubes deveriam fazer uma insurreição. Daqui para frente, criaríamos uma Liga, e para cada atleta que nós formássemos, teríamos uma compensação da sua alienação”, diz. Se é apenas um sonho, ou realidade, só o tempo e a vontade de pôr a idéia em prática responderão.

JORNAL DO COMMERCIO – A sua nota publicada nos jornais da cidade (última sexta-feira) diz que o Sport precisa ter cuidado com aventureiros. O que isso significa?

LUCIANO BIVAR – As pessoas que não estudaram a realidade do futebol pré-Lei Pelé e pós-Lei Pelé têm uma ilusão de que o Sport pode ser administrado como no passado. Têm a ilusão de que se pode fazer um grande time. No passado, 95% da receita de um clube vinham da venda de passes de jogadores. Com o advento da Lei Pelé essa receita acabou. Aí falam: “Vamos fazer receita com mídias”. Mas qual é o empresário que quer colocar sua marca para o Sport jogar aqui no Estado? Quer dizer, você vai ter a padaria da esquina, a farmácia do bairro. As grandes marcas, para se fazer um grande time, não vão existir. Não dá para tornar o Sport, atualmente, competitivo em relação ao futebol mundial, quando não há receita. Ou modifica-se a legislação ou cria-se uma nova realidade.

JC – Como seria a nova estrutura, que tanto o senhor defende?

BIVAR – Os clubes pernambucanos deveriam ter coragem. Fazer uma insurreição no futebol brasileiro. Daqui para frente, criaríamos uma Liga, e cada atleta que nós formássemos, teríamos uma compensação da sua alienação. Como se fôssemos voltar ao modo antigo, porque a Constituição nos garante o poder de federação e de estabelecer regras. O Governo pode liberá-lo para trabalhar onde quiser. Mas, se a gente estiver dentro de uma estrutura, uma nova legislação interna e privada, em que ninguém possa levar o seu jogador, a não ser mediante pagamento, o clube que desobedecesse estaria desligado da Liga. Fora disso, não vejo como sobreviver no futebol brasileiro.

JC – Não é preciso ter mais coragem para se investir nas categorias de base?

BIVAR – Na atual legislação, se você investir nas divisões de base, o atleta que se tornar um grande talento vai embora no dia seguinte. Não tem como segurá-lo. O Grêmio tratou de Ronaldinho Gaúcho desde os 12 anos. Ensinou, deu medicina a ele, educação e condições físicas. Quando ele fez 18 anos foi embora. Consultou artigos da Lei Pelé, e o Grêmio não recebeu um tostão. Hoje, é muito mais tranqüilo, diante dessa legislação absurda, tomar jogadores de outros clubes.

JC – O senhor está por dentro do processo pré-eleitoral do Sport, sabe o que está acontecendo?

BIVAR – Sempre tenho informações. Acho que o processo está sendo bem conduzido por Branquinho (Severino Otávio, o presidente). E ninguém pode fazê-lo açodadamente. Tem de ter tempo, maturação e paciência. Independentemente disso, se a atual diretoria, que ainda fica até o dia 31 de dezembro, quiser fazer algumas contratações, nada impede que ela dê a largada.

JC – Desde que o presidente Luciano Bivar deixou o Sport, não se via uma movimentação tão grande em torno do seu nome. É a volta por cima de quem saiu tão por baixo em 2001?

BIVAR – Não. Eu nunca tive ilusão de que não sofreria críticas dirigindo um clube da grandeza do Sport. Sempre imaginei que era normal as coisas caminharem daquele jeito. O que me deixou muito amargurado, naquela época, era o esforço que eu fazia, pessoas de dentro do clube sabiam desse esforço, e não compreendiam. E eu sempre trabalhava em prol do Sport, nunca pensando em interesses pessoais.

JC – Branquinho disse que os rubro-negros queimavam as candidaturas que surgiam. Isso faz com que os grandes nomes do Sport tendam sempre a não aparecer?

BIVAR – Não tenha dúvidas que essas coisas não são positivas. São destrutivas. Mas a determinação dos rubro-negros tem que superar isso. Quem estiver lá, não é todo mundo que vai aceitar de bom grado. Clube é uma coisa movida a paixão, por isso os resultados são imprevisíveis.

JC – O senhor ainda está magoado?

BIVAR – Não trago mágoa. Fico até muito feliz com esse processo que está hoje acontecendo. É uma tomada de consciência. Estou notando que as pessoas responsáveis, que entendem da responsabilidade do cargo, estão pensando muito. No passado era muito fácil encontrar candidatos. Hoje, quando as pessoas adquirem a experiência de ter passado ali por dentro, que sabem as responsabilidades que vão assumir, fazem uma reflexão muito grande. E isso é muito bom.

JC – Mas por que o senhor deixou o Sport, em 2001?

BIVAR – Deixei o Sport naquela época porque todos pediram para eu sair. Até o governador (Jarbas Vasconcelos) achava que eu tinha feito uma péssima administração. Como tinha mais um ano, e o Campeonato Brasileiro iria começar, achei por bem deixar o Sport, para que aquela onda avassaladora de “Fora Bivar” não viesse a prejudicar o clube. Foi uma exigência de várias lideranças. E não era pelo simples fato de ter mais um ano de mandato que iria me impor.

JC – Naquela época, chegou a ser dito que seu filho teria sido jurado de morte. É verdade?

BIVAR – Meu filho foi assistir a um jogo, viu um cara falando mal de mim, e chegou em casa indignado. Essa indignação ele não merecia que eu lhe causasse. Achei melhor sair.

JC – Existe a possibilidade de voltar ao clube como dirigente?

BIVAR – No passado, uma das coisas de que mais fui acusado foi de ausência, porque viajava muito. Não quero repetir esse mesmo erro, embora se alguém administrar o clube como administrei, confiando nas pessoas, acho válido. O que importa é que você tenha pessoas em quem confiar. Mas para mim não cabe mais repetir os mesmos procedimentos dos quais fui acusado. E, por essa razão, deixei o clube. E não é agora que vou voltar, sofrer as mesmas acusações, sem a sensibilidade de ouvir o passado.

JC – Vai estar mais presente no Sport no ano do centenário?

BIVAR – Sempre que puder, estarei presente. É uma data muito representativa. Poucas empresas atingem os 100 anos. Por ser uma data significativa, não significa que teremos de ser campeões mundiais. Temos é de manter a nossa dignidade.

JC – E o empresário e rubro-negro Luciano Bivar já tem um nome para votar nas eleições do Sport?

BIVAR – Branquinho está conduzindo isso. Vou esperar o resultado da condução desse processo. O nome que ele apresentar, certamente, todos vão concordar.

JC – Para finalizar, falam de grupos bivaristas e wandercistas (pessoas ligadas a Wanderson Lacerda). O senhor tem alguma coisa contra Wanderson Lacerda?

BIVAR – Não. Nós nos cumprimentamos muito bem. Ele tem o trabalho dele reconhecido. Não existem grupos de A, B ou C. Há críticas e correntes. Mas que isso seja superado diante de uma estrutura em que a gente possa viabilizar o clube.