“Comandar o Sport não é fácil”

Em janeiro de 2003, Severino Otávio, o Branquinho, teve aquele que considera o maior desafio de sua vida: tornar-se presidente de um dos maiores clubes do Nordeste, o Sport Club do Recife. Na época, seu nome surgiu como o único que poderia unir um clube rachado politicamente. Chegou a relutar, mas a vontade de ajudar o clube do coração – que atravessava uma tremenda crise pela falta de títulos – falou mais alto.

Mais uma vez, as eleições para a presidência rubro-negra se aproximam e, agora, Branquinho nem cogita a possibilidade de se candidatar ao cargo. Na última terça-feira (28 de setembro), ele abriu as portas de seu apartamento, na Ilha do Retiro, para conceder essa entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco. Na ocasião, explicou porque não quer mais ser presidente, falou dos dois anos que passou comandando o Leão, das decepções que teve e dos desafios que o novo presidente terá ao assumir o clube para o biênio 2005/2006.

FOLHA DE PERNAMBUCO – Qual o maior susto que o senhor tomou ao assumir o Sport em janeiro de 2003?

SEVERINO OTÁVIO – Não tomei susto. Quando assumi, tinha uma noção da situação que o clube estava passando. Digo a você que o maior susto que tomei foi quando vislumbrei a possibilidade de o Sport cair para a Terceira Divisão. Perdi noites de sono, me preocupei muito porque eu não gostaria que fosse na minha gestão que acontecesse uma catástrofe dessa em relação ao time do Sport.

FP – Quer dizer que, para o senhor, permanecer na Segunda Divisão acabou sendo lucro?

SO – Eu conversava muito com meus diretores e dizia que quando a temporada começa errada, dificilmente você consegue consertar. E as coisas começaram erradas no Sport. Erros quando esperamos demais por alguns jogadores, erros na formulação do elenco. Daí o final foi difícil. Se eu relatar os jogadores que acertaram com o Sport e foram para outros clubes por conta de propostas maiores… Cito o caso de Rodrigo Tabata (que atuava no Campinense /PB e atualmente defende o Goiás). Chegou a acertar todas as bases com o Sport e foi embora. No início do Brasileiro, Iranildo, depois que saiu do Santa Cruz, acertou tudo novamente com o Sport, e foi para o Brasiliense. O que ele me pediu eu aceitei, mas na hora de decidir, foi para o Brasiliense porque pagava um bicho muito maior. São essas coisas que você não consegue evitar. Foi um erro em cima do outro que resultou em uma campanha ridícula na Série B.

FP – Muita gente fala que o grande erro de Branquinho foi ter delegado funções em vez de centralizar as ações. O senhor vê dessa forma?

SO – Não, porque em 2003 eu deleguei funções e as coisas deram certo. A grande verdade é que quando você não ganha e as coisas não dão certo as pessoas começam a procurar bode expiatório. No Sport não tem bode expiatório. Eu errei nas contratações que autorizei a fazer e não adianta discutir mais. Chegaram até a dizer que tinha divisão na direção de futebol do Sport e isso nunca existiu. Tudo foi decidido de comum acordo com a presidência e por isso eu assumo todas as responsabilidades do que aconteceu. Se houve alguém que errou no Sport, essa pessoa foi o presidente.

FP – O senhor tem alguma decepção, mágoa ou frustração que ainda o deixa chateado?

SO – A minha grande decepção foi não ter levado o Sport para a Primeira Divisão. Fiquei magoado com alguns companheiros de quem esperava ajuda e que não me ajudaram. Foram poucos, é verdade. Eu os ajudei em um passado recente e esperava um apoio que não aconteceu. Não me atrapalharam, mas também não ajudaram. Mas, em contrapartida, tive a felicidade de todos os que me ajudaram foram de forma integral. Diria que decepção mesmo só tem uma: não ter dado a alegria ao torcedor de ver o Sport mais uma vez na Primeira Divisão.

FP – Quem não o ajudou?

SO – Eu prefiro não citar nomes, até porque isso não vai ajudar o Sport em nada. Apareceram na minha posse e nunca mais deram sequer um telefonema de solidariedade nos momentos difíceis que passei. Mas foi uma minoria insignificante. A grande maioria me ajudou, inclusive a torcida, e isso me gratifica por todo sacrifício que estou passando.

FP – Voltando para o administrativo, quando o senhor assumiu o clube, em janeiro de 2003, o passivo financeiro do Sport era enorme e sua meta era colocar ordem na casa. Conseguiu diminuir esse passivo?

SO – Acredito que sim. Evidente que o passivo fiscal é uma bola de neve e aumenta a cada dia. Mas se for fazer uma comparação, o que paguei de atrasado de outras administrações e o que esse passivo aumentou na minha gestão, tenho um saldo positivo. E essa posição eu darei oficialmente antes de deixar o Sport. Vou reunir toda a imprensa, como sempre fiz, e prestar contas do meu segundo ano na frente do clube. Vou mostrar o que paguei de contas atrasadas. Só para se ter uma idéia, fiz um parcelamento e estou pagando R$ 24 mil por mês de fundo de garantia de 1967. Era um débito que já estava ajuizado, os ginásios estavam para serem leiloados, fiz um parcelamento e estou pagando, com muitas dificuldades, mas estou.

FP – O senhor fica feliz por saber que quem assumir o clube não terá dívidas trabalhistas da Era Branquinho?

SO – Ainda está muito cedo para eu dizer que não vai ter dívida trabalhista da minha gestão. Até o momento dessa entrevista, não existe, graças a Deus. Vou me resguardar para dar uma opinião no final de minha gestão. Mas garanto que, mesmo que tenha alguma dívida, o que eu paguei até agora do passado trabalhista é infinitamente maior do que qualquer dívida que eu venha a deixar.

FP – Quanto é o que Sport deve hoje?

SO – Ainda não fiz um levantamento preciso sobre isso. O Sport tem dois passivos muito grandes, que é o fiscal e o trabalhista. Conseguimos diminuir muito o trabalhista. Na hora que você deve R$ 1 milhão e faz um acordo para pagar R$ 100 mil, você consegue eliminar uma dívida de R$ 1 milhão. Mas acredito que a dívida do clube hoje deve ser de R$ 3 milhões.

FP – As eleições já estão deflagradas e, dessa vez, o senhor nem cogitou a possibilidade de se reeleger. Muitos queriam a honra de presidir o clube no ano do centenário.

SO – Tenho uma responsabilidade muito grande e penso o Sport 24 horas por dia. Conseqüentemente, isso traz um desgaste muito grande. Me desgastei do ponto de vista físico, mental e até mesmo tive problemas na minha atividade profissional. Acredito que já dei minha parcela de contribuição para o meu clube. Nunca pleiteei ser presidente do clube. A única vaidade que eu tenho é ser torcedor do Sport. Isso me envaidece muito. Apesar de ser uma honra muito grande presidir o Sport, não é motivo de vaidade. Eu simplesmente cansei. Sou uma pessoa mentalmente cansada em função do estresse que vivi e vou continuar vivendo até o final do meu mandato no Sport Club do Recife.

FP – Mesmo que não seja como presidente, o senhor aceitaria algum cargo no clube?

SO – No momento não aceitarei cargo nenhum, mas estarei disposto a ajudar no que for preciso, independente de quem seja o presidente. Basta ser convocado.

FP – O senhor já tem uma posição se as eleições serão antecipadas?

SO – Ainda não, até porque preciso conversar com os candidatos que pleiteiam ao cargo. Há quem defenda a antecipação, há quem ache que não devo antecipar. Mas em breve tomarei uma decisão sobre a antecipação ou não das eleições. Estou propenso a consultar a assembléia geral sobre isso.

FP – O senhor tem algum candidato preferido?

SO – Não. Eu tenho perfil do candidato preferido: um rubro-negro autêntico e que tenha responsabilidade com as coisas do clube. Se tiver esse perfil, qualquer nome para mim está ótimo.

FP – Quando o senhor assumiu a presidência, surgiu como a pessoa que uniria o clube. O Sport está unido?

SO – Tenho convicção que uni o clube durante minha administração. Agora, quando eu falo que uni o Sport, não quer dizer que tenha unido as pessoas. Uni os objetivos. Você não pode exigir que pessoas que têm diferenças pessoais se abracem. Quando me refiro a união, falo de objetivos. Todos os grupos políticos do Sport me ajudaram a administrar o clube nesses dois anos. Todos sem exceção.

FP – Qual será o maior desafio do futuro presidente leonino?

SO – Comandar o Sport não é fácil. O grande desafio do próximo presidente vai ser colocar o clube na Primeira Divisão. Na hora que voltar o clube para a elite, as perspectivas de receitas são infinitamente maiores que as de atualmente. Para se ter uma idéia, o nosso grande problema de patrocínio é que todos os jogos da Série B foram televisionados pela TV fechada. Isso dificulta muito, inclusive já há uma decisão de exigir da Globo que os jogos sejam televisionados por ela, em canal aberto. Na hora que ela transmitir, vai facilitar a vida de todos os clubes da Série B em termos de patrocínio.

FP – Já recebeu o dinheiro atrasado do Futebol Brasil Associados (FBA) e da CBF?

SO – Da FBA não. Eles pagaram um mês, mas acumularam outro, e o débito permanece em dois meses (R$ 140 mil). E, para piorar, não temos muitas perspectivas de receber. Em relação à CBF, recebemos R$ 23 mil. Entretanto, recebi essa parte, mas o Sport pagou R$ 36 mil em taxas de arbitragem e ainda não foi ressarcido.